terça-feira, 29 de junho de 2010

Arte de vestir personagens

Durante séculos os figurinos teatrais foram utilizados como adereços e apresentavam pouca adequação à dramaturgia. Os encenadores se contentavam com figurinos belos e vazios que, em muitos casos, mantinham pouca relação com as personagens ou com o ambiente cênico.

Até meados do século 19, ir ao teatro era muito mais um encontro social do que uma atividade artístico-cultural. Mas, pouco a pouco, esse cenário se transformou e imprimiu uma feição moderna ao teatro ocidental, principalmente quando se analisam as formas de conceber os figurinos.

A evolução histórica do teatro ocidental com foco no figurino foi cuidadosamente analisada no livro Figurino Teatral e as renovações do século XX, de Fausto Viana, que acaba de ser lançado, apresentando um panorama da evolução histórica do teatro ocidental a partir do trabalho de criação de figurinos de sete grandes encenadores.

A obra revela a importância dos trajes no desenvolvimento da arte de atuar e como eles se tornaram um componente importante na busca por um teatro moderno, de acordo com Viana, professor do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP).

“Os encenadores analisados tinham qualidade, nível de pesquisa avançado, perseverança e acima de tudo amor pela arte. Uma das principais características em comum entre eles é a busca pela integração de todos os elementos que integram o espetáculo”, disse à Agência FAPESP. O livro teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações.

O trabalho é resultado da tese de doutorado de Viana, com bolsa da Fundação, intitulada “O figurino das renovações cênicas do século 20: um estudo de sete encenadores”, defendida em 2004 com orientação de Ingrid Dormien Koudela, professora do Departamento de Artes Cênicas da ECA/USP.

Em comum entre os encenadores estava a urgência pela mudança. O primeiro entre os pesquisados foi o suíço Adolphe Appia (1862-1928), com notável influência entre os diretores que vieram em seguida.

Tudo que soava falso desagradava Appia, contou Viana. “Ele criticava os excessos nos figurinos e nos cenários e propunha um equilíbrio. Cumpriu grande parte da renovação do teatro com seus projetos de cenários. No entanto, temos que reconhecer que Appia era acima de tudo um teórico”, disse.

Quem levou ao palco as teorizações de Appia foi o ator e diretor inglês Edward Gordon Craig (1872-1966), que tentou romper com a relação estática entre palco e plateia e defendeu a universalidade e a simplicidade dos figurinos como força dramática.

“A proposta dos dois é muito próxima, mas enquanto Appia propunha, Craig executava. O inglês mantinha uma linha de trabalho que tinha por objetivo final criar uma unidade entre todos os elementos do espetáculo. A elaboração dos seus trajes seguia o mesmo modelo. A busca pela universalidade na encenação passava pela universalidade do figurino”, explicou.

O equilíbrio entre a proposta da peça teatral e a recepção do espectador foi o que marcou a produção em teatro do ator e diretor austríaco Max Reinhardt (1873-1944), também cineasta. Mas, segundo Viana, mesmo diante de uma produção muito grande – cerca de 250 peças como diretor, totalizando cerca de 2 mil produções como produtor e supervisor –, Reinhardt não foi devidamente reconhecido posteriormente.

“Apesar de ter feito um manifesto teórico, Reinhardt escreveu pouco, ou seja, não formalizou a sua busca ou metodologia de forma que pudesse ser investigada mais profundamente, como Stanislavski e Brecht fizeram, por exemplo”, disse Viana.

O professor da ECA destaca que Reinhardt é o que se poderia chamar de “Disney do teatro”. “A comparação é inevitável quando se pensa nas duas atividades: diversão para a família, em bons ambientes, que não causem constrangimentos. Essa era sua visão”, contou.

O austríaco conseguiu chegar a uma medida ideal entre o que o ator pretendia e o público desejava. “Por isso, aumentou o status do figurinista e o deixou em igualdade com os demais profissionais envolvidos na produção teatral, como o iluminador, o cenógrafo ou mesmo o ator”, disse.

Teatralidade do traje
Outro nome destacado no livro é o do teatrólogo, diretor, ator e poeta francês Antonin Artaud (1896-1948), que admirava a pintura como inspiração e foi pioneiro em trabalhar com elementos orientais, uma característica que marcaria vários encenadores posteriores.

“Artaud queria chocar o público com o teatro da crueldade. Ele queria tirar o espectador da letargia, de uma situação acomodada. Colocou em cena temas sobre o incesto, manequins em cena, movimentos obsessivos e repetitivos. E acumulou uma série de fracassos, porque o público acabou não indo a suas peças”, disse.

Um exemplo foi Os Cenci, um fracasso financeiro e de público, mas, segundo Viana, um grande êxito do ponto de vista da criação de trajes e figurinos.

O russo Constantin Stanislavski (1863-1938) e o alemão Bertolt Brecht (1898-1956) são dois dos encenadores mais conhecidos do público e os mais bem-sucedidos na divulgação de seus métodos. A metodologia de interpretação de Stanislavski até hoje é amplamente difundida mundo afora, conhecida e pesquisada em vários aspectos, mas o figurino raramente é analisado nos espetáculos do encenador russo.

“Um traje ou objeto apropriados para uma figura cênica deixa de ser uma simples coisa material e adquire, para o autor, uma espécie de dimensão sagrada”, disse o russo, citado por Viana.

“Para Stanislavski, não importava mais a necessidade de reconstituição histórica precisa, mas a teatralidade do traje. Ele foi um dos que mais experimentaram no teatro. É um erro rotulá-lo como realista-naturalista, porque ele experimentou de tudo”, disse.

Com Brecht, o processo de criação da indumentária era tão elaborado que chegava a alterar a dramaturgia do espetáculo, segundo Viana. “Ele tinha uma importante parceria com o cenógrafo Caspar Neher (1897-1962)”, disse.

Influenciado pela cultural oriental, Brecht defendia que nada deveria entrar em cena sem merecer. A simplicidade era o que o norteava. “Mas era uma simplicidade profundamente sofisticada. Em seu aparente despojamento estava a grandiosidade, a capacidade de revelar tanto com tão pouco”, indicou Viana.

Outro destaque no livro é a francesa Ariane Mnouchkine, 71 anos, fundadora e diretora do Thêátre du Soleil. Segundo Viana, na concepção de Ariane, de acordo com a necessidade dos atores e da encenação, o projeto inicial pode mudar.

“Para ela, os atores têm toda a liberdade de criação. Durante os ensaios, eles têm à sua disposição costureiras e muitos tecidos”, disse Viana, que para fazer seu trabalho de pesquisa esteve em Moscou, Berlim, Alemanha, Londres e Paris.

•Título: Figurino Teatral e as renovações do século XX
Autor: Fausto Viana
Páginas: 296
Por Alex Sander Alcântara
Fonte: Agência FAPESP

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